segunda-feira, 30 de abril de 2012

Não pude, não havia

Não pude te guardar
já não havia espaços
não pude te dizer
já não havia palavras
não pude reparar
já não havia culpa
não pude te agredir
já não havia raiva
não pude te ver
já não havia luz
não pude perder
já não havia vitória
não pude me arrepender
já não havia volta
não pude te matar
já não havia vida
não pude me crucificar
já não havia pecado
não pude te julgar
já não havia culpados
não pude falar sim nem não
já não havia opção
não pude chorar
já não havia lágrimas
não pude escrever
já não havia rimas
não pude esquecer
já não havia lembranças
não pude desistir
já não havia esperanças
não pude avaliar
já não havia medida
não pude me despedir
já não havia partida.



domingo, 29 de abril de 2012

Talvez

Afastei de mim a verdade
mas um segredo morto vigiava
suores noturnos
terror matinal.
A falta que preencheu
a escolha que não me perdoou
o mundo doente
gritando solto pelas ruas
que tudo está bem.
A cicatriz de um acidente que ainda não aconteceu
o funeral de algo que ainda não morreu
o abuso dos fracos
a tolerância dos fortes
e logo ali
abaixo da pele
algo inatingível e primitivo
lateja e dorme
como um amanhã que nunca nascerá
com desejo e desistência
com importância e desprezo
como amantes improváveis
amores ordinários
e sonhos proletários.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Pelas frestas

Sob o peso da noite
surgem suaves
as lembranças
do dia interminável,
da alquimia desgastada
e das fórmulas obsoletas.
O corpo desfalece
e a mão acorda a caneta
impiedosa e desacreditada.
O desgaste da palavra dita
o amargo das sílabas mortas
a margem dos lábios,
tonicidades latentes
que não soam como música
e que ninguém dança.
Ao som lúgubre
do esquecimento
caem por terra
luzes , crenças
e frutas temporonas
colorem o chão
de Abril
quase Maio
quase desmaio.
A mão pesa
o olho arde
e não é cedo
nem mesmo tarde
é só um tempo
entre algo que nunca quis
é só uma hora
entre o desânimo e a reinvenção
é só um pouco de mim
se esvaindo
pelas frestas do chão.





Um certo vento

Sopra um vento
com muitas partículas
espalhando e levando
em forma de pó
as nossas possibilidades.
São miragens no horizonte que nos enganam.
São falsos brilhos
dos nossos metais sem valor, 
a nossa incapacidade de julgar
o nosso fracasso
embebido por toda essa ociosidade,
a nossa obesidade de cortesias
como um tumor
que nos devora o futuro.
E nos destruímos sorridentes e silenciosos
banhados, arrumados e perfumados
como cadáveres lindos
aterrorizados
com a besta que nos ronda
a fera da nossa verdade
espreitando
como um fantasma
da vida que nunca teremos.


Sopra esse vento
posso senti-lo nos ossos
como um leve murmúrio
que acalma e desnorteia
deslocando nossas dunas
de culpas que negamos
os crimes que cometemos
as desculpas que criamos
pra que tudo ainda tenha um sentido
contra o demônio em nós
que nos tira
segundo a segundo
a infância e a velhice
a chance e a promessa.
Estamos unidos
com essa gente estranha
aliados por uma causa torpe e fútil
numa ânsia de apenas continuar
já que nunca aprendemos a parar.
Deserdados da alegria
nos consumimos em prazer
Fragmentados ao vento
somos áridos de perguntas
e soterrados de respostas.


Mal posso respirar
esse vento
esse ar de chumbo e corpos
essa brisa suave
que me abrasa e corrói
esculpindo em mim
uma forma que me agride
erodindo
pouco-a-pouco
o calcário que me sustenta.
E o que vejo
não faz sentido
e assim menos razões invento
esqueço, não lembro
eia nossa grande missão
não ser mais nada
do que essa figuras grotescas
marteladas pela ignorância
cinzeladas pela mão do acaso
deformados pelo conforto
desenhados com cuspe e sangue
de todos os tolos do passado
dos vultos inertes do futuro
matizados de solidão e lamento
escravizados por trabalhos furtivos
correndo do medo
do medo de nos alcançarmos
e finalmente nos vermos
cara-a-cara
de dobrar uma esquina
e não sentir mais nada
de dormir e acordar igual
do vento lento
tomar conta de tudo
e nós com tal desconforto
içar velas
e invadir o nosso mundo
que sempre esteve logo ali.


O vento da negação
e dos erros tolos
que não reparamos
aquilo dentro de nós
que nos observa e oprime
como um reflexo perplexo
como se tornássemos miragens
do que esquecemos de perseguir.
E eu corro
até os outros
e tento ouvi-los
como forma de calar em mim
as vozes que me gelam,
salvo o que vive
fora de mim
porque já não tenho corpo
sou um esterco infértil
que não gera vida
uma massa opulenta
trasbordada de pena e conformismo
um caldo ácido e borbulhante
primitivo, aflitivo e infinito.







sábado, 21 de abril de 2012

porquê

Me abrace
e não diga nada
que o vento canta
uma canção de ninar e amar
esquece o mundo
que nos odeia
as flores atrofiadas
os sem perdão nem razão
me aperta forte
como se precisasse de mim
e me diz algo bobo
murmurado numa concha
do ouvido do mar
que nos leva
que nos traz
e eu já não sei
se é noite
se é dia
se fui eu
ou foi você
se nos amamos por nada
ou se terá um porquê.

domingo, 15 de abril de 2012

Óbvio

Uma luta
não precisa ser
uma guerra
um destino
não precisa ser
um caminho
uma morte
não precisa ser 
um fim
um querer
não precisa ser 
uma paixão
um adversário
não precisa ser
um inimigo
um carinho
não precisa ser
um amor
uma dúvida
não precisa ser
um desatino
uma certeza
não precisa ser
uma razão
um erro
não precisa ser 
um crime
um sorriso
não precisa ser
uma ironia
Nada é tão óbvio
tudo é muito relativo
quem muito resolve tudo
anda sempre indeciso
quem diz que já se achou
deve ainda estar perdido
e quem diz que já viu tudo
na certa tem um olhar impreciso.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Salvação

Estamos
abobalhados
implorando
salvação
esperando
um cristo que volte
um deus
que realize 
os nossos caprichos
consumindo
freneticamente
a si
e aos outros
imóveis e passivos
insuspeitáveis criminosos
orando
da boca pra fora
culpados
condenados
e fugitivos.